Fantasia: O Homem e o animal
No meio da rua parou um homem
Com uma faca enorme nas mãos,
E de um golpe só apunhalou a minha garganta
De cima para baixo, da glote à pelve
Arrastando a lâmina, puxou, rasgou o corpo.
Sem qualquer semblante,
O homem virou- se e foi embora
Como se fosse aquela mulher,
Encomenda.
Lembranças de menina invadiram os pensamentos...
A ovelha pendurada na árvore sangrava
Derramando o caldo na bacia;
Os bois suspensos em fila, no matadouro,
Os olhos arregalados, estripados, sem pele.
Os bichos da infância, em fila:
As aranhas das casas de baixo,
As formigas no pé de siriguela,
Os morcegos da sala da avó,
O umbuzeiro cheio de formigas, que era esconderijo,
Os sapos esmagados perversamente entre pedras,
Por meninos.
A vaca cortada ao meio, com o feto sendo retirado;
O jacaré em meio ao curral sendo aberto entre risos;
O tiro na cabeça do boi para o churrasco;
Por homens.
Os cavalos que foram montados... T;
Os banhos de açude escondidos,
O curral enlameado, a cancela, o mata – burro.
A menina queria ser um menino,
Mas não podia,
Queria lutar, mas não podia.
A mulher, sem respiração, consegue chegar a casa,
Coitada, nunca existe ninguém.
Deseja a faca, deita – se na cama
Pensativa, de barriga para cima,
Cansada do golpe, do corte.
Novamente surge o homem,
Como castigo pelo desejo da mulher.
Sem qualquer expressão em sua face diz:
“A faca é minha, não percebe?”
Põe – se em cima do corpo,
Insensível, indiferente, lança outro golpe,
No mesmo lugar, no mesmo sentido:
Glote – pélvis, na vertical.
Parte o corpo, divide.
A dor se espalha pelo corpo,
Mas o lençol continua branco, nenhum respingo vermelho,
Na camisa de mangas compridas
De listras rosas- Na Vertical.
O homem não olha,
Vira-se, arrumando seus instrumentos cirúrgicos
Amparados numa estante marrom.
Lá está uma bandejinha cor de prata.
Ele diz: “Você pediu sem anestesia.”
A mulher imóvel, chorando, olha para o teto branco
Ouve o ranger da porta e uma voz impiedosa:
“Foi necessário”.
E o homem, de maneira resoluta,
Pronuncia o nome dela, dizendo:
“Lembre – se, a faca é minha, quem usa sou eu”.
Vai embora.
Que assustadora fantasia!
Esgotada, vazia, pensa:
Aquilo foi preciso, urgente, necessário
Mas como ele foi distante!
Ressentiu a falta de doçura no olhar.
Mas não sente raiva,
Mesmo com aquela bandagem enrolada no seu corpo,
Lembrando a pintura de Frida,
Foi ela quem pediu o corte, a transformação,
Não quis educação, doçura, piedade ou anestesia,
Para desvirar o quadro.
Malu Calado
Eu penso que o poeta é um grande egoísta. Falamos que o poema dele é lindo, mas no fundo não entendemos absolutamente nada do que ele diz... É, incluo a minha pessoa, que fala de dentro para fora frustrações de menina, e como o meu desejo, os significantes, o dito passado provoca sintomas horríveis no corpo da mulher... Malu, que se Calou...
As lágrimas não me choram a tua poesia,
ResponderExcluirme espinham a alma.
Sua letra tem ofícios de dois: lago e pântano
onde os meus sapos e os meus cisnes te reconhecem...
E á assim a vida...Às vezes lago, outras pântano, onde podemos escolher ser sapos ou cisnes. Geralmente sou sapo!
ResponderExcluirUm beijo poeta Anônimo!
Malu