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sexta-feira, 17 de junho de 2011

A VERDADE



A VERDADE


Perdão.
Eu não sei começar ou terminar.
Presa ao sofrimento,
Não quero mais seguir em frente
Não consigo voar longe
Uma força me puxa
E eu retorno ao prazer da melancolia.

Não posso mais mentir, pois seria para mim.
Admito o gozo em sofrer
Tristeza, sufoco, pressão no estômago.
Já não agüento mais isso
E tenho vergonha.
Mas ao menos admito.
Agora, por favor, me deixe ir!

O que mais desejo é a morte.
Gosto da faca, e hoje,
Experimentei se estava amolada.
Mentir para você é mentir para mim,
Isso não farei mais.
Você me ama?
Se me ama, me deixe ir!

Nós já tentamos demais
Eu estou cansada.
Quero ficar sozinha
Com a minha alma triste
Por escolha minha.
Caso gostasse de mim
Seria mais fácil ficar aqui,
Mas eu não sei viver, aproveitar,
Eu sequer entendo o que é tirar sarro
Do sofrimento
Encontrar humor
Como tenta me mostrar.
Então, agora, me deixe ir!

Eu sei o que ouvi
Quando começa o progresso
Não sei continuar
Vem o retrocesso.
Vê como é cansativo e frustrante?
Eu avisei que não sabia começar.

Usar a faca me cortar
É mais fácil, é.
O difícil é prosseguir. 
Os dias e as noites são longos,
Não consigo sair,
Não aceito convites,
Medo? Não sei.
Sei que as obrigações eu consigo cumprir
Tenho um superego tirânico,
Ele me obriga, e assim faço alguma coisa
Mas estou cansada meu bem.
Agora quero ir e não quero voltar!

Eu sei que falei que não iria desistir,
Pedi para você consertar o fundo trocado,
O que estava de cabeça para baixo.
Você consertou, agora tenho que entrar no mundo,
Nova, como a lua, mas eu tenho medo!
Deixe-me ir, eu não quero mais ficar aqui!

Eu quero ir
O brilho desse mundo é demais para mim,
E não gosto daqui
Embora o rostinho da criança
O lugar que tenho no seu espaço
Confortem-me no dia a dia.
Eu sinto culpa
Não consigo dar conta disso
Em meus pensamentos
E o mais fácil, realmente é partir!
Deixe-me ir, pois se eu for livro me da culpa e do medo.

Você fica tão longe de mim!
E acho que sou eu mesma que afasto você
Sou tão estranha, tão tantas coisas
Mas emperro e tenho raiva
E vejo os seus olhos em mim com tanta indiferença
Um desprezo, uma irritação, uma impaciência
Sequer posso te dar um abraço.
Antes você me olhava docemente
Mas agora você esta tão distante de mim!
E agora?
Se eu gostasse de mim, mundo
Se eu acreditasse no seu amor...
Deixe-me ir!

As noites são longas, os dias
Obrigações.
Você disse que iria me ensinar a viver,
Já me salvou, fez uma cirurgia dolorosa
Para me libertar da inveja,
Mas agora, meu amor, me deixe ir!

Eu não posso mais prometer
Que não vou usar a faca, vou tentar
Mas eu quero ir!
A verdade... Você não me obriga a ficar
E mesmo assim te peço permissão...
Já confessei o gozo, e agora que sei,
Por favor, me deixe ir!

Malu Calado

terça-feira, 14 de junho de 2011

Fantasia: O homem e o animal


Fantasia: O Homem e o animal

No meio da rua parou um homem
Com uma faca enorme nas mãos,
E de um golpe só apunhalou a minha garganta
De cima para baixo, da glote à pelve
Arrastando a lâmina, puxou, rasgou o corpo.

Sem qualquer semblante,
O homem virou- se e foi embora
Como se fosse aquela mulher,
Encomenda.

Lembranças de menina invadiram os pensamentos...
A ovelha pendurada na árvore sangrava
Derramando o caldo na bacia;
Os bois suspensos em fila, no matadouro,
Os olhos arregalados, estripados, sem pele.
Os bichos da infância, em fila:
As aranhas das casas de baixo,
As formigas no pé de siriguela,
Os morcegos da sala da avó,
O umbuzeiro cheio de formigas, que era esconderijo,
Os sapos esmagados perversamente entre pedras,
Por meninos.
A vaca cortada ao meio, com o feto sendo retirado;
O jacaré em meio ao curral sendo aberto entre risos;
O tiro na cabeça do boi para o churrasco;
Por homens.
Os cavalos que foram montados... T;
Os banhos de açude escondidos,
O curral enlameado, a cancela, o mata – burro.

A menina queria ser um menino,
Mas não podia,
Queria lutar, mas não podia.

A mulher, sem respiração, consegue chegar a casa,
Coitada, nunca existe ninguém.
Deseja a faca, deita – se na cama
Pensativa, de barriga para cima,
Cansada do golpe, do corte.

Novamente surge o homem,
Como castigo pelo desejo da mulher.
Sem qualquer expressão em sua face diz:
“A faca é minha, não percebe?”
Põe – se em cima do corpo,
Insensível, indiferente, lança outro golpe,
No mesmo lugar, no mesmo sentido:
Glote – pélvis, na vertical.
Parte o corpo, divide.

A dor se espalha pelo corpo,
Mas o lençol continua branco, nenhum respingo vermelho,
Na camisa de mangas compridas
De listras rosas- Na Vertical.
O homem não olha,
Vira-se, arrumando seus instrumentos cirúrgicos
Amparados numa estante marrom.
Lá está uma bandejinha cor de prata.
Ele diz: “Você pediu sem anestesia.”

A mulher imóvel, chorando, olha para o teto branco
Ouve o ranger da porta e uma voz impiedosa:
“Foi necessário”.
E o homem, de maneira resoluta,
Pronuncia o nome dela, dizendo:
“Lembre – se, a faca é minha, quem usa sou eu”.
Vai embora.

Que assustadora fantasia!
Esgotada, vazia, pensa:
Aquilo foi preciso, urgente, necessário
Mas como ele foi distante!
Ressentiu a falta de doçura no olhar.

Mas não sente raiva,
Mesmo com aquela bandagem enrolada no seu corpo,
Lembrando a pintura de Frida, 
Foi ela quem pediu o corte, a transformação,
Não quis educação, doçura, piedade ou anestesia,
Para desvirar o quadro. 

Malu Calado


 Eu penso que o poeta é um grande egoísta. Falamos que o poema dele é lindo, mas no fundo não entendemos absolutamente nada do que ele diz... É, incluo a minha pessoa, que fala de dentro para fora frustrações de menina, e como o meu desejo, os significantes, o dito passado provoca sintomas horríveis no corpo da mulher... Malu, que se Calou...